sexta-feira, 14 de março de 2008

«A mesma origem nocturna»


Der Misanthrop, 2002

Rui Chafes

para contemplar. tocar. usufruir. sentir. com tempo: aqui.


Rui Chafes - "... Marcel Duchamp esse grande sacana!"
a-de-braços-cruzados - Marcel Duchamp... sacana?!?!...
Rui Chafes - "Tão sacana quanto John Cage!"
a-de-braços-cruzados- não posso crer?!? Então por quê?! Aprecio ambos: foram provocadores, quebraram os cânones estabelecidos, subverteram os princípios pretensamente absolutos da arte... atribuíram novos significados, aproximaram a arte à vida e a vida à arte. Abriram o caminhos para novas derivações e concepções artísticas, não compreendo???
Rui Chafes - "desviaram a arte para um caminho estreito, empurrando-a para um beco sem saída."
a-de-braços-cruzados- está a querer dizer-me que Duchamp fez a acepção da obra de arte como a negação da própria obra de arte. Cage fez a acepção da música como a negação da própria música.
Rui Chafes- " Cage cria música, ou reproduz o som de uma porta que se abre? é música ou o som".
a-de-braços-cruzados- É o som, ele cria e valoriza o som, a melodia e o silêncio, a urgência do silêncio na sociedade contemporânea. e não o ruído...!!
Rui Chafes - "mas não é música, é o som da porta. de uma porta."
a-de-braços-cruzados- então, está a dizer-me que importa devolver o 'sentimento aurática' e o 'sentido transcendente' à arte? Reivindica a necessidade de sair do minimalismo ou do pós-minimalismo 'imposto'?
Rui Chafes - " da urgência de libertar a arte pós-duchampiana instituída... que subsiste...inexplicavelmente"
a-de-braços-cruzados- e que ainda persiste, anacronicamente...
Rui Chafes - "da necessidade de libertar a arte da vacuidade deste mundo tecnocrata, cibernético, facilitista. da arte facilitista e do facilismo na arte e das facilidades promovidas no mundo moderno".
a-de-braços-cruzados- ...no sentido de restituir a grandiosidade da criação, enquanto 'trabalho físico e árduo', como diz, da concepção artística, do acto de criar como nos pré-rafaelitas e simbolistas...? O sentido superior, do sagrado, metafísico... à semelhança da arte gótica também com a qual identifica os seus 'trabalhos'?
Rui Chafes - " é angustiante ver uma beata de cigarro exposta enquanto objecto artístico... actualmente deixou de haver o tal «êxtase» contemplativo. Pois que os becos são viveiros de especialistas na arte e os museus um laboratório de analistas que se especializaram... banalizaram a arte. qualquer coisa serve e 'é'."
a-de-braços-cruzados-- restituir o sentido supremo da arte, elevação superior e imaterial do objecto, a arte que "tenha como destino as nuvens", o destino eleito de Goethe...
Rui Chafes - "sim, devolver o lado mágico. sentir o milagre. como nos ritos e mitos arcaicos para que se abra um lugar para a possibilidade da própria recriação subjectiva e pessoal do objecto. Tal como os nossos filhos, a obra de arte, é mais do que matéria, células, pele, ou madeira ou ferro, por exemplo... - mais que uma justificação biológica - é o milagre da dádiva. Também os filhos que concebemos não são nossos, são uma seta. As minhas obras são qualquer coisa que concebi e partem para o infinito que desconheço, para o desconhecido, para algum sítio...".
a-de-braços-cruzados - é o sentido da vida. e para a vida. para dar sentido à vida. cria-se. cria. Na concepção de André Malraux, que concebeu a ideia, enquanto conceito e método de aproximação às realidades outras, o "Deus" é o "incognoscível e, antes de mais, a luta contra a Morte". A toda a imagem, com efeito, preside o desejo de apropriar um lugar-outro, ou um não-lugar, e por essa via, de lhe proporcionar a eternidade, fixando nela uma realidade ontológica até aí não existente: porque desprovida de imagem. Ai que já me perdi... desculpe.
Rui Chafes - "sim, eu trabalho sobre o invisível. Parto do real matérico,à semelhança de Giacometti, e procuro a metáfora da transcendência. Superar-me. Prolongar-me na dúvida e para a dúvida. "
a-de-braços-cruzados- por isso trabalha arduamente em ferro e aço, como Giacometti e,...
Rui Chafes - "desmaterializo as peças, vou desmaterializando"...
a-de-braços-cruzados- são transparências. funde a arte com o espaço natural que a acolhe, e assim tocam no céu, e vemos a natureza e apercebemo-nos do tempo. espaço-tempo-e-matéria : o belo em comunhão... Giacometti dizia que os "seus homens" são "fios de aço delicados que unem o céu à terra"...
Rui Chafes - "respeitar a vida é ter a noção do tempo e envelhecer com ele. aceitando-o. Olhar para o céu e pensar no que está para além dele, e deixar-se ser emocionalmente arrebatado... tal como no sentimento estético provocado pela arte. é exactamente a mesma dúvida. a dúvida desse sentir. do lugar desse sentir."
a-de-braços-cruzados- o Belo. isso é o belo. é assim que o defino. o tal quelque-chose. Que está para além do objecto visível. Justificar-se. Procurar acendalhas para o espírito, como dizia Ruskin, partindo da experiência sensível da matéria para a transcendência que está para além do objecto ou da imagem: como na música... através da qual acedemos a viagens imaginárias, ou como no cinema que tem a faculdade mais imediata de nos projectar para um lugar-outro. acontece-me sempre 'isso' , 'sempre' que assisto aos filmes de João César Monteiro- specular- , reporto-me, ou projecta-me e lançando-me para um lugar estranho situado entre a sordidez e a epifania. Será isso? Essa liberdade onírica. Arrebatadora? E simultaneamente a eterna procura e justificação de nós próprios... um lugar de reencontro connosco próprios...
Rui Chafes- "uma viagem irracional, sim, é isso. Trabalho sobre a intuição, com a intuição. com uma grande carga indomável. não domesticada. Há sempre o impulso inicial mas nunca sei o que vai acontecer."
a-de-braços-cruzados- Artista é aquele nasce com a pulsão para a dúvida e para a inquietação... é assim que defino e identifico um artista. e a ARTE.
Rui Chafes- " O artista tem de se trair a si mesmo e cair no abismo para descobrir o seu próprio caminho. O artista tem de ser inconsequente. A obra tem de ser incompleta para ser eterna."
a-de-braços-cruzados- a arte enquanto eterno . a arte é a eternidade emprestada a curt- prazo pelo preço de um «sopro de fé».« sopro dolorosamente suave.*».

08/03


* "A painfully soft blow"
,2001 - uma das esculturas de Rui Chafes, expostas no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra.


.porque a arte podendo ser qualquer coisa, não pode ser uma coisa qualquer...



Afterimage

Disparou. Tocou. de raspão. quem. Alguém. «foi*».

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