«A revista literária Relâmpago vai editar um número dedicado a Jorge de Sena. Mais do que justo. Sena é um dos maiores intelectuais portugueses do nosso tempo, um extraordinário romancista, um prefaciador incomum pelas pistas de leitura que propõe, um ensaísta fora de série - e um dos três maiores poetas que Portugal produziu no século XX. Quando, em 1977, nas cerimónias do 10 de Junho, Guarda, proferiu o discurso inaugural, a convite do Presidente da República, Ramalho Eanes, o autor de Metamorfoses e Peregrinatio ad Loca Infecta advertiu, grave e veemente, dos perigos que corria a democracia, caso desistíssemos de ser cidadãos. É um documento impressionante, pela previsão crítica e pela luminosa lucidez. Tempos antes, numa entrevista que lhe fiz para o Diário Popular, afirmou que "estavam a repetir- -se os vícios do Estado Novo".
Como era de hábito, as declarações de Jorge Sena fizeram estremecer as bem-pensâncias. Nunca moera as palavras no vácuo. Nunca fizera conversa mole, e sempre dissera o que entendia dever dizer, doesse a quem doesse. O País padreca, de literatos menores, de cabisbaixos campeões da convivência, não perdoava a este homem livre e, ainda por cima, de alto coturno intelectual, a grandeza que se não burilava com frases de pequeno conceito.
Fomos amigos, carteámo-nos dividindo sarcasmos e alguns desprezos. A correspondência afectuosa tem continuado com sua mulher, Mécia de Sena, também ela uma escritora de belíssimo registo. A dimensão do romancista de Sinais de Fogo (raramente citado, embora seja um dos grandes textos ficcionais da literatura portuguesa) era e é demasiada para o mesquinho na mesquinhez de uma pátria na qual o desnecessário recebe o contentamento, e a mediania ascende às primeiras páginas dos suplementos "culturais". O processo de amnésia histórica possui bases ideológicas, e os acasos da fortuna são convertidos em evidências da razão. A revista Relâmpago corrige uma omissão, emenda um deliberado esquecimento e sentencia às sombras da afronta a ignorância atrevida de um jornalismo traquinas. Tudo o que Jorge de Sena pressagiou, no discurso da Guarda, e na entrevista (com outra) ao Diário Popular, se tem confirmado. A democracia portuguesa está deformada. Os partidos estão desacreditados e os políticos são desacreditantes. Portugal sobrevive num sonambulismo onde o desacerto se tornou coisa aprazível e a mediocridade a medida de todas as coisas.
Recordo o meu amigo inesquecível. E, também, o desassombro intelectual e a braveza moral de um homem que, no momento dado, não hesitou em participar numa revolução armada, antecedente do 25 de Abril, e conhecida pela Revolta da Sé.
Pátria madrasta, País padrasto.»
Como era de hábito, as declarações de Jorge Sena fizeram estremecer as bem-pensâncias. Nunca moera as palavras no vácuo. Nunca fizera conversa mole, e sempre dissera o que entendia dever dizer, doesse a quem doesse. O País padreca, de literatos menores, de cabisbaixos campeões da convivência, não perdoava a este homem livre e, ainda por cima, de alto coturno intelectual, a grandeza que se não burilava com frases de pequeno conceito.
Fomos amigos, carteámo-nos dividindo sarcasmos e alguns desprezos. A correspondência afectuosa tem continuado com sua mulher, Mécia de Sena, também ela uma escritora de belíssimo registo. A dimensão do romancista de Sinais de Fogo (raramente citado, embora seja um dos grandes textos ficcionais da literatura portuguesa) era e é demasiada para o mesquinho na mesquinhez de uma pátria na qual o desnecessário recebe o contentamento, e a mediania ascende às primeiras páginas dos suplementos "culturais". O processo de amnésia histórica possui bases ideológicas, e os acasos da fortuna são convertidos em evidências da razão. A revista Relâmpago corrige uma omissão, emenda um deliberado esquecimento e sentencia às sombras da afronta a ignorância atrevida de um jornalismo traquinas. Tudo o que Jorge de Sena pressagiou, no discurso da Guarda, e na entrevista (com outra) ao Diário Popular, se tem confirmado. A democracia portuguesa está deformada. Os partidos estão desacreditados e os políticos são desacreditantes. Portugal sobrevive num sonambulismo onde o desacerto se tornou coisa aprazível e a mediocridade a medida de todas as coisas.
Recordo o meu amigo inesquecível. E, também, o desassombro intelectual e a braveza moral de um homem que, no momento dado, não hesitou em participar numa revolução armada, antecedente do 25 de Abril, e conhecida pela Revolta da Sé.
Pátria madrasta, País padrasto.»
artigo de opinião assinado por Baptista-Bastos
DN 05/03
[detesto fazer transcrições do que se escreve na imprensa escrita por variadíssimas razões: ora porque todos os blogs o fazem, ora porque gosto de pensar por mim, ora porque leio jornais, e leio-os para mim e cada qual que pense por si e para si, ora porque este espaço, para além de ser mais-ou-menos-assim-assim é muito-pouco sério, ora porque não preciso deste sítio para me promover e mostrar a terceiros que leio. e leio muito. e penso ainda mais. pois que é no constante desafio do dia-a-dia que tenho de provar aos outros e a mim própria o que sei, ou não sei, ou o que penso, ou deveria pensar. e não aqui. ora, ora, ora, ... ora porque, e talvez seja esta a verdade mais sincera e objectiva: a tacanha fisionomia deste "blog" não permite tamanha ousadia: o pobre coitado tem pernas, braços, mãos, e peito muito pequenos, fracos e estreitos para acolher palavras musculdas e pensamentos robustos. é indigno e minorca para abraçar qualquer-coisa que seja grande. mas desta feita, porque se trata da fina flor da Memória de Jorge de Sena ... que me perdoem, mas teve de ser ...foi desta! desde terça-feira que este artigo me beliscava... ]
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